um disco de haicais ou a iluminação de masaoka shiki
com carlito azevedo, barthes, shiki...
às vezes o instagram surpreende. foi lá na rede, cada vez mais um mural publicitário, no meu caso da venda de consultas pediátricas e de roupas ou receitas para bebês, que li o trecho, breves linhas, em que roland barthes, semiólogo francês, escreveu sucintamente sobre o grande lance de dados do haicai. me deparei com a síntese numa publicação do poeta carlito azevedo. barthes, sobre a poesia oriunda do oriente, do japão: “no haicai, há sempre alguma coisa que nos diz nossa situação com relação ao ano, ao céu, ao frio, à luz. 17 sílabas, mas nunca estamos separados do cosmos sob sua forma imediata”.
corri atrás da preparação do romance vol.1, o livro em que carlito encontrou a citação. esgotado. eis que minha amiga luiza uehara me presenteou com o pdf. na época em que recebi o arquivo estava terminando quem matou roland barthes?, romance filosófico-policial de laurent binet. no thriler, o atropelamento de barthes, em 1980, em paris, transforma-se em um assassinato provocado por sua descoberta de uma função especial da linguagem, uma função ligada ao poder, estimulando a cobiça de intelectuais e autoridades políticas. talvez binet não considerou que a nova função da linguagem descoberta por barthes fosse muito distinta. no paletó amarfanhado do catedrático, após a colisão, imaginem só, menos do que as indicações perigosas para uma gramática de ocupação do estado, de repente, anotações sobre ideogramas, investigações sobre uma linguagem de não poder, ecologicamente radical, antipropriedade e antiautoridade (rb escreveu sobre essas qualidades da poesia praticada por bashô, issa, chyo-ni…)
tenho pensado há semanas sobre esse excerto, o mínimo e o cosmos concentrados em três versos. no meio dessa presença constante caí novamente em uma trilha do carlito. depois de sete anos sem publicar, o poeta lançou um livro agorinha e na conversa recente no site da revista piauí conta sobre um bloqueio criativo sofrido nos últimos anos. pensei na hora em masaoka shiki, colhido por barthes no livro que, de algum modo, foi me apresentado por ele. shiki descreve que após ler inúmeros haicais e romances, dispostos por ele sobre a mesa, de maneira caótica, não conseguiu mais, à véspera da temporada dos seus exames escolares, avançar em questões que não fossem a poesia. “haicais começaram a emergir em mim, fazendo como bolhas na superfície da minha consciência. abri um manual; impossível ler uma linha: um haicai já havia se formado em mim. como eu havia afastado todas as folhas de papel virgem, para me concentrar exclusivamente na preparação de meu exame, anotei aquele haicai num abajur. em pouco tempo, o abajur inteiro ficou coberto de haicais”.
carlito e shiki, poetas que, depois de um certo tempo, deram passagem para os poemas acontecerem. shiki, inclusive, se iluminou, em todos os sentidos. e sobre o roland barthes ainda não terminei a “preparação do romance”, mas, onde quer que eu vá, encontro seus sinais. por exemplo, na praça da árvore, em são paulo, este ventilador que tem muito o que contar.
p.s. dia 30, na casa odette, faço show. abrirei a apresentação cantando dois haicais de alice ruiz, haicais que também iluminaram meu disco recente folhas_fruto. quem tiver interesse deixo o link para a compra de ingressos
p.s. 2 já pararam para sonhar que bonito seria um disco de haicais?