sobre os 39 e o presente
no mate-me por favor, patti smith, em um dos seus depoimentos, conta que certa noite assistiu a um show dos rolling stones e viu ali um futuro da poesia. mick jagger, segundo ela, estava exausto, detonado. mas foi esse limiar do esgotamento, a dança e o canto conduzindo um corpo quase sem energia, que chamou a atenção da, então, muito jovem patricia. aquilo, jagger, era um poema ambulante. entendo cada vez melhor essa passagem do livro que narra uma certa história do punk. sábado, no meu aniversário de 39, estava, às vésperas de cantar na casa odette, acabado. o dia a dia tem sido puxado e, quando ele emenda em uma noite de trabalho e festa, torna-se uma epopeia de delírios (lembro aqui da minha amiga lúcia trovão que gosta da palavra epopeia. escrevendo, agora, ouço a sua voz proferindo “epopeia de delírios”).
no fim das contas, barriga vazia de comida, aflito para saber se teria público para me ouvir cantar as canções do meu primeiro disco, ASA e gastando minhas últimas economias com drinks e cervejas, a força apareceu precisamente com o primeiro acorde na guitarra. meus amigos de banda, peri pane, meno del picchia, zé pi, foram uma espécie de corrente elétrica (aliás, tomei três ou quatro choques no microfone) de ânimo, um no break a serviço de qualquer queda de energia no parque de diversões dentro da minha cabeça.
gosto muito disso, cantar poemas e encontrar amizades. e foi o que aconteceu na noite em que completei 39. na manhã seguinte, passeando com lírio e júlia para me recobrar rapidamente das ruínas (quem tem filho não pode curtir a ressaca, tem que sair andando, como se nada tivesse acontecendo, mesmo que a cabeça esteja em chamas) encontrei esse presente aqui que divido com vocês.
quase na esquina do submarino fantástico, estúdio onde gravei todos os meus discos, sobre a faixa de pedestres, signo com o qual me identifico muito, visto que, ainda não tirei minha carta, leio “ouça gustavo galo”. o recado, deixado pelo poeta jerônimo bittencourt, faz parte de uma série que ele inventou há quase uma década. eu, que amo criar list songs como “pensando em alzira e”, na qual, a partir de alzira e, itamar assumpção, jorge mautner, tom zé, apresento a ligação entre compor jardins e canções, entrei para a lista do poeta jerônimo. a playlist dele, estimulada pelo desejo, o desejo como mote, está espalhada no melhor suporte para a poesia, a rua. sergio sampaio já tinha dado a letra, “lugar de poesia é na calçada”, paulo leminski, apaixonado por uma pichação exposta em vários muros próximos a rodoviária de curitiba, “PQNA VOLTE", também. é de leminski a síntese, “palpite/ o grafite é o limite”.
ganhei o dia, como se diz. ganhei o presente de presente.
p.s. próxima parada dia 28, na casa urânia, em são paulo. estarei com bruna lucchesi, amiga que cantou sábado comigo, encerrando a noite lindamente. estaremos em três, bruna, vitor wutzki e eu. cantaremos textos de angélica freitas, ledusha, alice ruiz, nanao sakaki, rilke, ricardo aleixo e outras surpresas. esta semana volto a escrever sobre as minhas folhas. agradeço muito as leituras de vocês. e ainda nesta mesma semana, especialmente para as assinantes que tem me apoiado financeiramente, enviarei, em primeira mão, a capa do meu próximo disco.
p.s. 2 agradeço a sílvia rocha, quase sempre a primeira leitora desses textos. ela e beatriz carneiro, que alegria, revisam uma parte considerável dos meus rascunhos. a vovó rocha, além de ler e retornar também foi o apoio para que júlia e eu pudéssemos aproveitar um pouco mais a noite de sábado.