meu grande "hit", segundo o spotify, é "estalo a língua", poema da ledusha. conheço a leda desde a adolescência. foi a primeira poeta que conheci, numa época em que eu sequer podia imaginar que gostaria de poemas e mais, que além de gostar muito, os transformaria em canções. a minha faixa "hit" está presente em disco no risco, álbum que celebrou o aniversário recente da leda, título que inverte o do seu acachapante livro risco no disco. o livro da leda, publicado no início dos anos 1980, é um livro cheio de ritmos, de música. o álbum que fizemos com seus textos, um presente lançado no dia da celebração dos seus 70, em 2023, é o que considero um "disco de poemas". gosto dessa expressão e a tenho utilizado com frequência. é que, realmente, o suporte inicial do poema, em vários cantos do planeta, foi a música. muito antes da criação do livro, essa obra disseminada somente no século XV, poetas eram as pessoas que cantavam e dançavam as palavras. e, mesmo com a primazia da poesia como sinônimo de livro publicado, ainda também são.
pois bem, hoje mesmo (sexta, 28), bruna lucchesi, vitor wutzki e eu estrearemos um show de poemas musicados por nós mesmos, poemas de matsuo bashô até angélica freitas e outras surpresas. bruna lançou o disco "quem faz amor faz barulho", cantando obras de paulo leminski, canções das quais o poeta era, além de letrista, o compositor. para além do disco, bruna também musicou a ledusha e tem cantado traduções de poemas da patti smith e de outras artistas do texto no som. sou supeitíssimo para falar, visto que sou seu fã, admiro o modo bruna interpreta os textos que canta (não à toa a convidei para participar, em duas faixas distintas, do meu disco duplo). o vitor, em suas apresentações, mostra parcerias com rilke, angélica freitas, nanao sakaki. quando assisti aos dois, separadamente e juntos (eles tocam juntos em vários trampos), me senti em casa. casa, poema.
enfim, às vésperas da nossa noite na casa urânia, troquei uma ideia com vitor wutzki sobre esse trânsito constante entre livro e som, da paixão pelos testes constantes entre textos e sons. bruna estava na estrada, shows em curitiba e em florianópolis (vai chegar praticamente direto na casa urânia) e combinamos uma conversa mais para adiante. com vocês vitor wutzki:
1.
provavelmente, fui tocado primeiro pelo suporte da música, antes de ler poemas em livros. mas a primeira memória que me vem quando penso no assunto é a de ouvir uma gravação num disco do vinícius de moraes no qual ele declama o "soneto de separação" e, em seguida, tom jobim canta o mesmo texto ao piano. era aquela fase de descobri-los e esse poema, talvez por causa de uma matéria da escola, era um dos únicos que havia decorado na vida.
2.
o que me lembro agora sobre livros musicais são poemas que falam de canções. como a marília garcia que escreve um sobre o álbum da nara leão “meus amigos são um barato”, ou leonard cohen que fala sobre compor em parceria num poema chamado “penso sempre em uma canção” que transcrevo aqui por talvez dialogar com nossa conversa:
penso sempre em uma canção
para a anjani cantar
vai ser sobre nossas vidas juntos
vai ser muito leve ou muito pesada
mas não no meio-termo
eu vou escrever a letra
ela vai compor a melodia
eu não vou conseguir cantar
porque vai ser muito alta
ela vai cantar muito bem
e eu vou corrigir seu canto
e ela vai corrigir minha escrita
até ficar mais do que linda
aí nós vamos ouvi-la
não sempre
nem sempre juntos
mas de vez em quando
pelo resto de nossas vidas
(tradução de William Zeytounlian)
durante a pandemia, ouvi bastante o disco de 31 poemas do drummond, musicados pelo belchior e, em algum momento, pensei que era uma espécie de único hino nacional possível.
3.
acho que o que fisga primeiro pode variar, mas acontece frequentemente de uma frase do texto saltar pra mim com algum tipo de gesto melódico, imagino um modo de entoar aquilo, (talvez porque aquele verso falou comigo de um modo especial). o poema “sashimi”, da angélica freitas, não conheci num livro, mas através de um video no youtube em que ela o lia num evento em buenos aires. enquanto lia, um pouco gripada, ela parecia sugerir uma melodia cada vez que repetia a palavra “sushiman”. na época me veio a vontade de cantar esse poema, mas não consegui desenvolver a ideia. anos depois eu estava no horário de almoço de um trabalho onde havia uma sala com um piano e lembrei do poema. arrisquei, naqueles minutos, uma harmonia pra acompanhar o texto e foi um pouco como se durante aqueles anos que passaram o poema tivesse se assentado mais em mim (mesmo sem ter tido muito contato com ele durante esse tempo que passou). isso acontece, de vez em quando. dou bastante valor às ideias que surgem logo no primeiro encontro com o poema, mas às vezes a coisa precisa de um tempo pra se assentar.
4.
o poema mais recente que musiquei foi da carla diacov, poema que fala sobre caminhar por uma memória ruim, perder os braços, se aproximar de um coqueiro, se balançar imitando o coqueiro. recebi o poema através da sua campanha “poema põe mesa”, em que ela envia semanalmente poemas para os assinantes. ela enviou esse poema em um áudio sussurrado e era algo tão musical. me deu vontade de inserir um acompanhamento instrumental na sua leitura. seria uma música inspirada em algo como “silence is sexy”, da banda Einstürzende Neubauten. mas no meio do caminho também foi surgindo uma linha melódica e harmônica e eu deixei rolar. um poeta que tenho vontade de conhecer mais e gostaria de musicar é celso de alencar. eu o conheci em um sarau mês passado e gostei muito dele. ele leu um único poema chamado “o voo da garça negra”.
até mais tarde,
ingressos, até 17hs, com desconto, aqui