não sou poeta: poesia reunida, o livro do victor heringer passeou comigo esses dias. não me sai da cabeça “no colo do futuro”. o poema, acho que o seu último em vida e o primeiro do livro, conta sobre o avô, “naturalista meio maluco”, morador de são pedro da aldeia, interior carioca, elegante em sua simplicidade, que “plantava orquídeas ameaçadas/ bromélias e samambaias/ e outras plantas cujo nome não sei/ porquê sou erê urbano/ e hoje em dia nenhum poeta sabe botânica”.
lendo o primeiro poema do não sou poeta, me lembrei de um outro escrito do victor, “o que eu sei sobre as flores”, do lindíssimo vida desinteressante. na ocasião ele anuncia, às vésperas da primavera de 2015, que sabe da chegada da estação somente porque olhou no calendário. “gosto de roupas floridas embora não tenha nenhuma. gosto de lírios cor de laranja, porque são tão esquisitos. gosto da maria-sem-vergonha, que cresce em beira de estrada, em vaso de jardineiros relapsos, em campos de futebol, em qualquer lugar (...). esta é a hora de vocês, poetas explosivos. ó, walt-whitmans! não me deixem falar sobre os lírios, eu estragaria tudo. a verdade é que sou planta de sombra. sou avenca. dou no inverno”.
a passagem do victor me fez lembrar da época em que diogo mizael me apresentou um livro do leonardo froés, chinês com sono, via whatsapp, bem no começo da pandemia. miza, generosamente, enviava um poema por dia, “um convite para subir a montanha”, argumentava. um dos textos do livro que sempre volta em minha mente que perambula, assistindo certas plantas nascendo em lugares imprevistos, é “para um muro de um solar”. com um olhar parecido ao do victor, no poema, o morador da região serrana do rio de janeiro, acho que contemporâneo do avô naturalista de heringer (froés está com 82 ou 83 de idade), atento menos às plantas e flores organizadas em jardins e floriculturas e cemitérios do que nas que escapam, repara no “ferro de um portão carcomido e retorcido (...) tão enlaçado pelas plantas que nem/ se sabe mais se é de madeira ou ferrugem/ o que sobe viçoso desenhando arabescos”.
froés é presença marcante nas crônicas de vida desinteressante. ele é valorizado, assim como o avô no poema de não sou poeta, menos como o que, por ser mais velho, supostamente estaria com os dias contados e mais como uma possibilidade de novidade. às vésperas do golpe de 2016, depois de declarar sua predileção pela flora sem guéri-guéris, em “a afirmação contra o chorume”, publicado em 22 de junho (dia dos orquidófilos descobri depois!), heringer conta o quão marcante foi assistir a “um animal na montanha”, documentário sobre froés. foi lá que ouviu, do poeta, sobre a vida no interior do mato: “no pequeno limite que me coube, eu estou colaborando com a vida (...) não quer dizer que no sítio eu tenha me alienado: continuo a discordar da cidade, do país, da política. mas passei a fazer uma poesia afirmativa”. pensando na consideração, victor, conclui: “o antídoto está aí, é o suco de uma fruta que cresce escondida no sítio de froés”.
é bom demais ler o victor. em nossa antologia de contas, trabalho meu e da júlia, que produzimos em 2020 e lançamos em 2021, incorporamos o poeta de não sou poeta sem ter lido sua poesia reunida editada agora. na época, inspirado pelo caminhando no gelo de herzog, imaginei um longo passeio da mantiqueira até o sítio de leonardo froés. abro um parênteses para o retorno de froés da nossa antologia. ele ressaltou os “belos azuis alcoólicos” e a “forte poesia-experiência”. mas, o mais importante: froés não conhecia o victor e acabou se interessando, no contato com nossas contas. rapidamente, o autor de chinês com sono, leu todos os seus livros.
victor também juntou boletos, não conhecia esse trabalho. ainda não cheguei nessa parte de não sou poeta, mas notei os cupons cheios de números expostos na segunda metade da edição. estou lendo tudo devagar, bem devagarinho. e fico assim curtindo, sorvendo cada novidade desse cara que não conheci, apesar dele ter morado um tempo em são paulo. tem sido uma companhia e tanto os seus poemas. fica até mais difícil acreditar que além de não ser poeta, victor pouco sabia de botânica. eu que ando com dor nas costas, talvez de tanto colo do futuro, com um filho chamado lírio, morando na mantiqueira, leio e releio sem parar o primeiro texto do seu livrão.
p.s. ainda temos cinco exemplares de antologia de contas. quem se interessar me dá um retorno. essas duas fotos que deixei aqui são da nossa edição. valeu valeu a vocês que leem e assinam esse endereço. semana que vem vou preparar um presente para os apoiadores que dão uma força de $$. tem sido bem difícil sobreviver de música e livros. ainda bem que ganhei o não sou poeta. o preço nas livrarias é assustador.