ouvi dizer várias vezes que, de sete em sete anos, trocamos todas as células do nosso corpo. pensei nisso ao divulgar o show de dez anos do meu disco ASA. nenhuma célula daquela época sobreviveu em mim. o que restou: alguns livros, um par de botas, um sofá de couro vermelho e as canções.
olhando o sofá de couro me pergunto do que ele se lembra daqueles tempos. éramos, sem dúvida, mais próximos do que hoje. na época, por exemplo, eu não tinha o costume de tirar os sapatos para entrar em casa. pelo contrário, deitava de sapato mesmo (e sobre ele) com a calça vermelha, indefectível, que um dia foi da minha mãe e agora é um shorts em fiapos. quase nunca dormia no quarto, a cama cheia de cadernos e xerox de textos. ficava em frente à tv de tubo, no térreo do sobrado, estendido sobre o couro com meu cachorro, o roque, ao lado, madrugada adentro. capotava assistindo a filmes dublados. era o que tinha. no chão, cervejas vazias, algumas moedas, a chave de casa, um livro. o disco do lou reed, por muitas manhãs, junto de 5 a 6 xícaras de café com leite ou coca, comprada no bar do seu paulo (não existe mais o bar do seu paulo), para aliviar a ressaca e pegar no tranco…
o sofá testemunhou uma temporada triste. depois testemunhou descobertas das mais alegres. me ouviu tocar as canções, músicas que fariam parte do disco, pela primeira vez. hoje fico feliz que, apesar das células terem partido, ele ficou. quando vim morar com a júlia, há sete anos, demos um banho no sofá. foi surpreendente a quantidade de purpurina e uma espécie de chorume espesso que se foi com a ducha.
já fomos mais próximos. ele não acompanha mais com tanta intimidade o surgimento dos meus discos, de versos como os de “delírio com a rocha”, composições feitas do lado de fora do apartamento, muitas já na mantiqueira, onde ele nunca esteve. mas quando estamos em são paulo ele é diariamente acariciado pelo lírio. com o sobe e desce constante do meu filho voltamos a conviver de perto, o sofá e eu, como velhos companheiros.
dia 15, às 20h30, na casa odette, dividirei um pouco as minhas memórias (e as do sofá de couro vermelho). para curtir o show de 10 anos do ASA e de quebra meu aniversário de 39 anos. a organização da casa odette recomenda a compra antecipada de ingressos neste endereço.
vejo vocês por lá, eu, zé pi, meno del picchia, peri pane, bruna lucchesi e as memórias do sofá de couro vermelho.
p.s. agradeço novamente aos apoiadores desta coluna (newsletter não consigo chama-la assim), a coluna que me mantém em pé. para as pessoas que podem e apoiam financeiramente, em breve, envio um presente especial. é isto, valeu!